Artigos

    Na Mídia

    Às vezes a melhor estratégia é começar pelo fim

    Os Terminais de Uso Privado (TUP) são grandes demandantes de postos de trabalho (qualificado, claro), empregam perto de 55 mil pessoas espalhadas do Oiapoque ao Chuí, possuem programas de treinamento e qualificação de excelência e, certamente, recompensam seus trabalhadores à medida de sua produtividade. Os programas de RH representam o que há de mais moderno no Brasil e seguem as normas de saúde e segurança em seus mais densos detalhes.

    Tudo isso para dizer que chamou muito a atenção dois trechos do livro publicado recentemente que leva o título: "Temas Avançados de Direito Portuário do Trabalho". O texto disposto no capítulo 5 diz o seguinte:

    “A ideia da Lei dos Portos foi colocar terminais de uso privado para concorrerem abertamente com portos organizados. Todavia, tal concorrência acabará por precarizar o trabalho portuário avulso de dentro do sistema. Infelizmente, a valorização do trabalho humano, que consiste em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art.1°, IV), foi relegada a segundo plano e preterida em relação à iniciativa privada.” (Ramos, Marcello Frias. Terminal de Uso Privativo e contratação de trabalhador portuário avulso sem intermediação do OGMO. Temas avançados de direito portuário do trabalho. São Paulo: Matrioska, 2022, pag. 73) (grifo nosso).

    Notam-se fartas incorreções a começar por uma concorrência entre TUP e portos públicos que não existe (em setor de plena concorrência, quem concorre são as firmas e não as instituições) e, a partir disto, procurou-se desenvolver conhecimento sobre o assunto, uma vez que são raras as bibliografias e referências que ressaltam o histórico e a importância dos TUP, senão aquelas descritas nos diplomas legais. Cremos que é sempre bom revisitar o passado para validar a norma que, no intuito de promover a recuperação econômica nacional, promulgou, em 1966 o Decreto Lei 5 que estabeleceu regras para as atividades da Marinha Mercante, dos portos nacionais e da rede ferroviária nacional. A partir do DL 5/66 foi permitido a embarcadores ou a terceiros construir ou explorar instalações portuárias, independentemente da movimentação anual de mercadorias, desde que a exploração fosse realizada sem ônus ao Estado e para uso próprio. A partir daí nascem os primeiros terminais de uso privado, mais especificamente para movimentação de minérios (VALE), o petróleo e combustíveis (PETROBRAS) e para siderurgia (CSN).

    Já em 1993, o sistema portuário brasileiro movimentava 346 milhões de toneladas, dos quais 75% eram responsabilidade dos TUP. Neste mesmo ano, a promulgação da Lei nº 8.630 (a Lei dos Portos), além de aproximar o setor portuário daquilo que já existia no mundo, também flexibilizou os modelos jurídicos existentes e criou a figura do terminal de uso privativo misto no qual era autorizado a movimentação também de cargas de terceiros.

    Por fim, nesta breve cronologia, em 2013 é publicada a Lei 12.815 (a “nova" Lei dos Portos) que dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários. Esta lei manteve o status das concessões e ratificou o modelo jurídico de autorização. Neste mesmo ano, a movimentação bateu a casa das 904 milhões de toneladas movimentadas, sendo 590 milhões destas (65%) nos 130 terminais de uso privado existentes (naquela época) em toda a costa brasileira.

    Na nova Lei dos Portos, as autorizações são formalizadas por meio de um contrato de adesão para movimentação de CARGAS, desta vez sem “sobrenomes”. Dizemos isso, pois ao redor do globo é estranho quando um investimento de capital intensivo, como um terminal portuário, é limitado a movimentar cargas “próprias” ou de “terceiros” ou “cativas”, justamente porque em países de economia abundante o que importa para seus portos é a máxima produtividade do seu ativo e, limitá-las é estar na contramão do mundo.

    Outra característica interessante, já que estamos tentando criar conhecimento, é que TUP não possui relação com verba pública e, portanto, assumem 100% do risco do seu negócio, inclusive formando a sua própria carteira de clientes, uma vez que estão fora de portos organizados.

    Muitas são as diferenças entre os modelos jurídicos de arrendamento e TUP, podemos chegar em quase uma dezena delas, mas nenhuma que caracterize grandes vantagens nem para um modelo, muito menos para o outro. Existem diferenças regulatórias porque a propriedade das terras e o risco do capital investido também são diferentes. Dentre muitas diferenças, encontra-se a gestão de mão de obra, na qual um TUP possui a prerrogativa legal da liberdade de contratar.

    Os TUP, por definição do artigo 44 da Lei dos Portos, não estão obrigados a utilizar a mão de obra do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO) mesmo que esta represente a gestão do custo variável nas operações de cargas. Tanto a antiga lei (8.630/93, artigo 56) como a Lei 12.815/13 foram claras ao estabelecer que a movimentação portuária em instalações localizadas fora da área do porto organizado será disciplinada pelo titular da respectiva autorização. Portanto, o TUP não tem obrigação de recrutamento de pessoal junto ao OGMO. A empresa que não atua em terminal da área do porto organizado submete-se a um regime jurídico próprio para efeito de contratação de mão de obra, diferente da empresa que atua em terminal do porto organizado.

    O segundo trecho do livro que chama atenção tem sua conclusão descrita da seguinte forma:

    “Não é razoável todo custo pertencer ao OGMO e os operadores portuários de terminais privativos, pelo simples fato de estarem fora do porto organizado, o que tem origem na natureza jurídica na concessão para o exercício da atividade de operação portuária (autorização para operar terminal privativo), utilizarem a mão de obra treinada e cadastrada/registrada pelo OGMO sem a intermediação do mesmo” (...) "A diferença não tem lógica jurídica e ainda contraria os princípios que norteiam a ordem econômica constitucional, que se fundamenta na livre iniciativa econômica e valorização do trabalho humano, com vedação a concorrência desleal” (De Oliveira, Celso Ricardo P. Furtado; Julião, Rodrigo de Farias. Exclusividade do OGMO para intermediação do fornecimento de Trabalhador Portuário Avulso. Temas avançados de direito portuário do trabalho. São Paulo: Matrioska, 2022, pag. 28) (grifo nosso).

    Bom, antes de tratar o assunto, é necessário desfazer outros nós. Assim, lembramos que: (a) TUP não são operadores portuários uma vez que esses só existem dentro da poligonal do porto organizado; (b) Existe custo ao TUP para possível requisição da mão de obra avulsa, seja pelo OGMO ou mesmo pelo Sindicato; (c) Os recursos utilizados pelos OGMO para o treinamento de trabalhador portuário avulso são provenientes do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo (FDEPM) para o qual os TUP contribuem com parcela significativa e nem por isso usufruem deste treinamento; (d) A qualificação técnica para exercer a profissão de trabalhador portuário pode, na atualidade, ser obtida em diversas instituições (Exemplos: SENAI, CENEP SANTOS, INCATEP e outros), portanto, sem ônus ao OGMO; (e) A ordem econômica fundamenta a atividade do TUP e se dá pela livre concorrência, que de desleal só convém para quem faz a má gestão de seus ativos.


    No Brasil, a contratação de trabalhadores avulsos em TUP é residual, ou perto de zero!

    A criação de OGMO, em cada porto organizado, se traduz como um instrumento de redução dos custos da mão de obra portuária, uma vez que seu conceito é de se ter uma mão de obra ativa em momentos variáveis, desta forma excluindo a necessidade de custos em períodos de ociosidade operacional.

    Mas, de toda sorte, caso a discussão sobre a concorrência entre as firmas que atuam dentro ou fora do porto organizado se restringir ao uso do OGMO, a boa leitura pode ser feita pelo acórdão do CADE, que diz assim:

    Custos de mão de obra (contratação via OGMO): de fato, é injusto impor aos Portos Públicos uma modalidade de contratação ineficiente e custosa, como a realizada via OGMO´s. Porém, “(...) isto não implica que o constrangimento da concorrência dos terminais privativos seja a melhor resposta” (Voto, p. 1304). CADE (2010) – Acórdão no Ato de Concentração 08012.007452/2009-31.

    Além do já citado artigo 1° da Carta Magna, outro princípio constitucional que permeia a atividade do TUP é o da ordem econômica, sendo translúcida a observação de que: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego”. (grifo nosso)

    Ideal seria que todo porto tivesse um OGMO com sede lindeira, com resultados superavitários e com verba de qualificação suficiente para as necessidades dos seus registrados. Ocorre que o Brasil possui extensões continentais e características distintas e nem toda discussão pode desaguar em um único lugar. A nós cabe uma visão pragmática para além dos limites do cais santista. É preciso conhecer o sistema portuário brasileiro, a legitimidade dos seus regimes jurídicos e descortinar vieses inconscientes.

    Desde a promulgação da “nova” Lei dos Portos, os TUP, foram os que mais investiram no Brasil. E a cada terminal instalado, mais emprego qualificado e, lógico, repleto de todos os direitos trabalhistas. Portanto, é necessário conhecer a matéria não só nas entrelinhas da lei, mas sobretudo em campo e, neste sentido, fica aberto o convite para conhecer de perto a atividade de um TUP!

    Esse modelo não é uma “jabuticaba brasileira”, terminais privados em sede própria já existem em aproximadamente nove países, tais como: Inglaterra, Nova Zelândia, Austrália, Equador, Estados Unidos, Colômbia, Chile, Holanda e Alemanha. O Banco Mundial, definitivamente, não indica um modelo de governança padrão, mas deixa aberta a sugestão para os Estados organizarem seus sistemas portuários conforme suas conveniências. No Brasil, os modelos de arrendamento e TUP, juntos, deram certo e o TUP deu muito certo.

    Como o próprio título deste artigo diz: iniciamos pelo fim, o último parágrafo seria a repetição do primeiro; e a repetição da leitura poderá ser providencial. Os TUP são os maiores demandantes de emprego do seguimento portuário brasileiro, portanto, não reduzem o pleno emprego e ainda contribuem com parcela significativa do FDEPM para qualificação e treinamento, sem ao menos utilizá-lo.

    Murillo Barbosa é Diretor Presidente da ATP – Associação de Terminais Portuários Privados e Luciana Guerise é Diretora Executiva da ATP – Associação de Terminais Portuários Privados.

    Artigo publicado dia 03/05/22 no site da revista Portos e Navios.

    Publicado em 03/05/2022
    Image
    Image
    Image
    Image

    INFORMAÇÕES GERAIS

    SEDE

    SAUS Quadra 1 Bloco J Torre B Sala 701 - Ed. Clésio Andrade
    CEP: 70.070-944 - Brasília/DF