O avanço do processo de desestatização dos portos organizados representa um marco histórico para o setor portuário brasileiro. A ampliação dos debates sobre o modelo a ser escolhido para a Companhia Docas do Espírito Santo deve ser vista como uma vitória para o segmento, já que é um sinal claro do reconhecimento do Governo sobre a necessidade de aperfeiçoamento da gestão da Autoridade Portuária.
O momento é oportuno, mas é vital ficar claro para a sociedade quais as implicações e os pontos de atenção sobre o modelo a ser adotado. A definição de modelo único para a desestatização da Codesa e de Barra do Riacho e seus desdobramentos é motivo de preocupação de todo o mercado, já que o modelo servirá de base para os demais portos. É válido salientar que Vitória e Barra do Riacho são modelos distintos, mas estão sendo tratados de forma única. Não há sinergia entre eles. Barra do Riacho é o atrativo para o investidor interessado, e apenas isso.
Deixar de considerar outras matrizes, como a concessão de serviços ou alienação plena, poderá conduzir a um método limitante de escolha da melhor opção, já que cada complexo portuário tem suas especificidades.
O processo de desestatização dos portos no Brasil difere dos de outros modais, como ferrovias, rodovias e aeroportos, onde o concessionário assume completamente a gestão, tomando conta do ativo e de toda a operação.
Desde 1993, a operação portuária já foi privatizada em sua totalidade. Seja por meio de autorização ou pelos arrendamentos nos portos públicos. Isso significa que a operação de quase 400 terminais e portos em todo o país já atingiu níveis de eficiência extremamente altos, comparados os principais mercados do mundo. Os números recordes do setor, que movimenta mais de 1,1 bilhão de toneladas de cargas por ano, ratificam essa realidade.
No caso dos portos, o que está sendo desestatizado agora é a gestão do complexo, ou seja, os cuidados com manutenção, acessibilidade, infraestrutura. As críticas feitas pelo setor privado recaem justamente sobre essa administração pública, sujeita a intervenções judiciais em quase todos os procedimentos e processos engessados e burocráticos, o que ocasiona problemas para os portos, como falta de dragagem, mal uso da verba pública.
A ATP (Associação dos Terminais Portuários Privados) sempre defendeu a desestatização e não poderia ser diferente, já que apoia a privatização plena da atividade portuária, desde que o foco fosse a evolução da gestão por parte da administração portuária. A maior preocupação é que o modelo de desestatização represente um aumento de custo para os terminais e consequentemente para toda a cadeia de suprimentos
A melhoria de gestão das autoridades portuárias é necessária, mas os TUPs e os arrendatários não podem pagar a conta. Esse componente arrecadatório é preocupante, especialmente se recair sobre uma atividade que contribui significativamente para a economia. A crítica também passa pela falta de construção de diálogos com a sociedade, enquanto o Governo insiste em cumprir cronograma, a sociedade exige conhecimento aprofundado do processo, que está em sigilo.
A ATP está comprometida com a pauta que, inclusive, foi tema do 8º Encontro da associação, realizado no dia 27 de outubro, com a presença de players do mercado, especialistas, acadêmicos e Governo. A ATP participa de discussões e confia em um processo transparente para que o setor privado tenha acesso ao modelo antes da publicação final e contribua junto ao TCU.
O aprofundamento dos debates sobre a desestatização, com intensa participação do setor, é fundamental para que a modelagem alcance os resultados esperados pelo mercado e sociedade, ou seja, o incremento da eficiência da operação e da competitividade do setor portuário brasileiro.
Murillo Barbosa é Diretor Presidente da ATP – Associação de Terminais Portuários Privados e Luciana Guerise é Diretora Executiva da ATP – Associação de Terminais Portuários Privados.
Artigo publicado dia 20/11/2021 na coluna de Popa a Proa, do Jornal A Tribuna.