O sistema portuário brasileiro é, sem dúvida, complexo. Convivemos com dois regimes jurídicos distintos: o porto público, com seus arrendamentos, e as instalações portuárias de uso privado. Quem lê as análises dos articulistas, especialistas e profissionais da área sobre o regime portuário no Brasil, conclui ser uma quase unanimidade classificar o modelo “Landlord” como predominante no país. No entanto, 66% da carga brasileira passa pelos terminais privados. Apenas 34% passam pelos portos públicos, ou seja, pelos ‘Landlords’.
Outro fato relevante, é que metade destes 34 portos organizados é responsável por 32,3 % desta movimentação o que nos levaria a fácil constatação de que 17 portos públicos movimentam menos de 2% da carga nacional, um volume absolutamente inexpressivo e fonte potencial de aportes da União.
O portifólio dos portos públicos no Brasil é o mais variado do mundo. Além de sua posição geográfica, pujança econômica de sua hinterlândia, perfis de carga, capacidade de movimentação, arrendamentos existentes e condições da acessibilidade terrestre e aquaviária são alguns dos indicativos que os diferenciam uns dos outros trazendo uma maior ou menor capacidade de atração de carga.
Em boa hora, o Governo Federal decidiu desestatizar os portos públicos para melhoria de gestão, eliminação de aportes da União e diminuição de assimetrias entre o porto organizado e o TUP. A escolha do modelo a ser adotado passa a ter papel crucial para a concretização desses objetivos. É consenso que a instalação portuária de uso privado é um modelo de sucesso em eficiência e produtividade, bem como excelência profissional.
Tais fatores são de suma importância para a seleção do modelo a ser adotado para que a melhoria da gestão e o aperfeiçoamento do setor sejam concretizados. Não faz sentido adotar um único modelo quando o próprio Plano Nacional de Desestatização admite vários. A chance de não atendermos o principal objetivo da desestatização é muito grande.
A Associação dos Terminais Portuários Privados foi contra o modelo adotado para a CODESA por entender que afetará a operação dos TUPs instalados nas proximidades dos portos de Vitória e Barra do Riacho. Não fomos ouvidos, embora o Ministério Público de Contas e a área técnica do TCU, na mesma linha da argumentação da ATP, tenham apontado insuficiência de informações para justificar a escolha.
No caso de São Sebastião, mais uma vez, o modelo escolhido é o da concessão. Mais uma escolha equivocada. Se analisarmos o quadro de vantagens e desvantagens, fica cristalina a vantagem do modelo de alienação.
A movimentação em São Sebastião corresponde a 0,06% da movimentação brasileira. É o 26º colocado entre 34 portos e movimenta menos que 65 instalações portuárias de uso privado. Destacar como vantagem a preservação da capacidade de planejamento do Estado desejável no caso de ativos estratégicos para a economia não passou, sem dúvida, por uma análise mais profunda. Classificar São Sebastião como ativo estratégico não condiz com a realidade. Destacar também como vantagem a possibilidade de manter regulação sobre tarifas não é verdadeira, pois em caso de alienação nem cobrança de tarifas haveria. Fica claro, pelas vantagens e desvantagens apresentadas e, em alinhamento com os objetivos da desestatização, que o modelo a ser adotado seria o da alienação do bem.
Parece que a adoção da concessão para todos os processos de desestatização já foi decidida. A dúvida é saber se será o melhor para a atividade portuária brasileira que urge ser eficiente para não afetar o nosso principal ativo, o produto brasileiro.
Murillo Barbosa – Diretor-Presidente da ATP (Associação dos Terminais Portuários Privados)
Artigo publicado dia 26/02/22 na coluna Popa e Proa, do jornal A Tribuna.