Até a promulgação da Lei Federal 12.815/2013, a área do porto organizado não tinha a importância dos dias atuais. Conviviam dentro dela arrendamentos, instalações portuárias de uso privado e até ruas, praças e igrejas. A área do porto organizado servia mais como uma indicação da área de influência daquele porto. A lei, justificada pela necessidade de um ambiente concorrencial mais forte, criou modelo jurídico para os Terminais de Uso Privado (TUP), que foi a liberdade plena para movimentação de mercadorias. Determinou que tais instalações não poderiam mais existir dentro da poligonal de um porto organizado. É perceptível a nova importância da poligonal na medida em que sua fixação poderá significar restrições severas a instalação de novos TUP nas proximidades dos portos organizados.
O texto trouxe definições e regras a serem observadas para prevenir abusos no estabelecimento das áreas desses portos. Regras que definem a área do porto como sendo o local delimitado por ato do Poder Executivo que compreende as instalações portuárias e a infraestrutura de proteção e de acesso. Bem como a determinação de que a delimitação da área deve considerar a adequação dos acessos marítimos e terrestres, os ganhos de eficiência e competitividade decorrentes da escala das operações e as instalações portuárias já existentes.
Torcemos para que a revisão feita na poligonal do Porto de Santos transborde para todos os portos públicos
Outro ponto importante da lei, ao dispor das competências da administração portuária dentro dos limites da área do porto organizado, prevê a delimitação de áreas de fundeadouro, de fundeio para carga e descarga, de inspeção
sanitária e de polícia marítima. Contudo, tais regras não foram observadas na sua integridade. Não é raro nos depararmos com aumento de poligonal para atender áreas de fundeio, quadro de boias para operação ship to ship e para atender demandas futuras de ampliação. Na Região Norte, temos vários exemplos disso, mas não apenas lá. Publicações recentes das poligonais visando atender os processos de desestatização possuem áreas que não cumprem a legislação. Qual a razão de termos tais áreas como parte do porto organizado?
A relevância das poligonais para a viabilização de novas instalações portuárias de uso privado descrita neste artigo é clara. Porém, se elas seguirem crescendo sem justificativa legal, o Brasil perderá com a queda nos investimentos, já que essa realidade compromete a segurança jurídica. É essencial que no processo de adequação das poligonais conduzido na Secretaria Nacional de Portos sejam ouvidas entidades públicas ligadas a defesa da concorrência, como Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Tribunal de Contas da União (TCU) e Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae). A ausência de consulta pública contribui para as imperfeições.
Aparentemente, a única entidade, além da Secretaria Nacional de Portos, a participar do processo é a Autoridade Portuária, com todo o seu interesse natural de evitar concorrência e criar reserva de mercado. O processo para adequação de poligonais é parcial e gera insegurança jurídica, já que, da noite para o dia, um TUP poderá ficar sem espaço para uma ampliação necessária. Felizmente, em agosto, a Secretaria de Portos publicou um.a nota técnica que promove alterações na área do porto organizado da Santos Port Authority (SPA), restabelecendo direitos de instalações portuárias existentes há muitos anos no complexo.
Nem a Lei 12.815/13 nem a política nacional de transportes privilegiam o porto público em relação aos TUP e isso deve estar refletido em todas as normas infralegais. A posição da Secretaria de Portos reflete, de maneira definitiva, tal entendimento. Torcemos para que a revisão feita na poligonal do Porto de Santos transborde para todos os portos públicos. Parabéns à Secretaria Nacional de Portos!
Murillo Barbosa é Diretor Presidente da ATP – Associação de Terminais Portuários Privados e Luciana Guerise é Diretora Executiva da ATP – Associação de Terminais Portuários Privados.
Artigo publicado dia 17/09/22 no jornal A Tribuna.