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    Riscos da desestatização dos portos organizados

    Modicidade tarifária e a isonomia concorrencial devem ser preservadas no processo.

    Durante o quadriênio passado, a desestatização dos portos públicos ocupou parte significativa da agenda de todas as entidades/empresas que seriam afetadas pelo processo. Para a Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), a preocupação foi enorme, em razão de um número significativo de terminais de uso privado (TUPs) utilizarem a infraestrutura de um porto sem, no entanto, terem qualquer vínculo contratual com a administração portuária. A modicidade tarifária e o tratamento isonômico entre os usuários de um porto organizado estiveram entre as preocupações expostas em todas as discussões sobre o assunto. Vimos muito bem o que havia acontecido na desestatização dos portos australianos.

    A cada reunião, nos era assegurado que a experiência de lá não se repetiria aqui porque havia estudos de medidas inibidoras que seriam adicionadas ao futuro contrato de concessão. Além disso, hoje a agência reguladora está preparada para enfrentar problemas que poderão surgir.

    No entanto, surgiu um fato novo, no início de 2022. Na ocasião, a então Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) solicitou à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) a homologação de nova tabela de tarifas, em que apareceu novo item: “Por monitoramento das embarcações que fazem uso áreas monitoradas pelo VTMIS - Vessel Traffic Management Information System e não fazem uso do canal do Porto de Vitória, por embarcação”.

    Apesar da argumentação pela ilegalidade da cobrança da tarifa aos navios envolvidos em razão de ocorrer fora da área do porto organizado e de que esses navios não são beneficiários do serviço, a Antaq homologou a cobrança. O VTMIS não é o mesmo que o Sistema de Tráfego de Embarcações (VTS, sigla em inglês), autorizado pela Marinha do Brasil. O VTMIS é importantíssimo para a Autoridade Portuária, já que ele permite a gestão do tráfego do porto com muita eficiência. Não trataremos da legalidade da cobrança neste artigo, que se concentra na modicidade da tarifa e na concorrência isonômica entre os usuários dos serviços.

    Naquela ocasião, houve autorização de cobrança de cerca de R$1.000,00 por navio. Recentemente, a VPorts, nova concessionária do porto, apresentou nova tabela de tarifas à Antaq, em que majorou esse valor para cerca de R$18.000,00. Um aumento de cerca de 1.800%. Contudo, além disso, houve redução de tarifa para os navios que se destinam ao porto de Vitória, conforme manifestação apresentada pela própria VPorts.

    O mais surpreendente é que a Antaq não tem a mesma autoridade de homologar a tabela de tarifas de um concessionário privado, como nos portos públicos. É apenas comunicada. O contrato de concessão assinado tirou da agência reguladora esse poderoso instrumento de cerceamento de abusividade em ambiente de monopólio.

    O tema ainda está em discussão, mas o propósito deste artigo é, mais uma vez, destacar que, em qualquer processo de desestatização, a modicidade tarifária e a isonomia concorrencial, entre outros requisitos, devem ser preservadas.

    O segmento portuário brasileiro é complexo e comporta dois regimes jurídicos. Eles são extremamente relevantes para a economia do país, não devem ter tratamento privilegiado. Exatamente por isso que as autoridades precisam considerar, nos próximos modelos de concessão, o que está acontecendo, neste momento, na primeira (e, talvez, única) desestatização portuária realizada no Brasil.

    Tanto o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, quanto o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Fabrizio Pierdomenico, têm se manifestado sobre o novo modelo de concessão a ser adotado no Porto de Santos, possivelmente concessão de serviços. No entanto, não devemos perder de vista que, naquele ambiente, convivem harmonicamente arrendatários e autorizatários. Portanto, a modicidade tarifária e o tratamento isonômico devem ser assegurados a todos os usuários do porto.

     

    Murillo Barbosa é Diretor Presidente da ATP – Associação de Terminais Portuários Privados.

    Artigo publicado dia 29/04/23 no jornal A Tribuna.

     
     
    Publicado em 02/05/2023
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